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A Geração 80 é uma produtora audiovisual que atua no setor corporativo e institucional, publicitário e cinematográfico de Angola. Foi criada em 2010 com o objetivo de documentar e contar histórias através de imagens. Surge, inicialmente, da reunião de Fradique (Mário Bastos), Tchiloia Lara e Jorge Cohen. Aos poucos juntaram-se: Kamy Lara, Hugo Salvaterra, Ery Claver, Sérgio Afonso, Alice Cruz e toda uma equipe de criativos com a ambição de inspirar uma nova geração de angolanos. A proposta da produtora de trabalhar preferencialmente com jovens do país esbarra, todavia, em dificuldades estruturais como a ausência de formação técnica nacional, os baixos incentivos e financiamentos para o setor cultural e uma rede incipiente para a distribuição de filmes. Apesar disso, a Geração 80 contornou os obstáculos construindo um portfólio diversificado que inclui o governo e empresas do setor privado como clientes.

O nome da produtora sugere a faixa etária de sua equipe. A geração nascida nos anos 1980 conheceu uma Angola já independente, conviveu com a Guerra Civil até o ano de 2002 e acompanhou todo o processo de reabertura econômica do país. Os impactos desse período de instabilidades deixaram marcas na estrutura social, econômica e política do país. Em uma Angola de desigualdade social gritante, graves gargalos de infraestrutura, baixa diversificação econômica e ausência de alternância de poder é natural que a cultura fosse um dos setores menos amparados pelo poder público. Nesse contexto de incerteza e com custos elevados de realização, o audiovisual angolano amargou longos anos de produção escassa.

Em princípios dos anos 2000, Angola começa a fase de reconstrução nacional e experiência um boom econômico com a exportação de commodities. Nessa fase, o audiovisual inicia sua retomada, com produções como Na Cidade Vazia (2004), de Maria João Ganga e O Herói (2004), de Zezé Gamboa. É desse período também a criação do Festival Internacional de Cinema de Luanda (2008), indício de um setor cada vez mais atento para a produção, fruição e circulação de conteúdos nacionais e internacionais.

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Estamos em um período de confinamento e isolamento social. Na província de Luanda, onde se encontram os únicos casos de COVID-19 até o momento, foi decretado estado de emergência, com a instalação de uma cerca sanitária. Durante quatro semanas, a atividade econômica e comercial foi limitada ao mínimo necessário e houve a proibição de circulação sem autorização, credencial ou passe de serviço. É importante lembrar que grande parte da população de Angola trabalha no setor informal e vive à base de uma renda diária, por isso não é muito realista um confinamento completo nos grandes aglomerados populacionais do país.

Temos vivido diferentes momentos e formas de resistência da população. No início, as medidas de prevenção foram encaradas com alguma leveza, o que levou a um discurso mais musculado por parte do governo. Angola ainda é um estado bastante militarizado e muitas vezes as medidas são impostas à força. As pessoas, no início, não estavam a acreditar que esse vírus pudesse chegar até a nossa realidade. Pensaram que era uma coisa que estava longe, na Europa e na China. Muitas pessoas ainda gozavam com a situação e, apenas após a segunda prorrogação do estado de emergência, foram entendendo que realmente a doença está aqui, no nosso meio, e pode afetar qualquer um de nós, se formos irresponsáveis e negligentes. Agora as pessoas estão a ter atitudes mais preventivas.

Tem havido uma alternância constante entre o discurso didático e o musculado. Importante relembrar que estamos a falar de uma população resiliente e com um espírito de adaptação incrível. Na década de 1980, tivemos durante 13 anos um toque de recolher obrigatório, um dos mais longos do mundo, além de uma guerra civil que se estendeu até 2002, quando não se podia circular entre as províncias do país. Atualmente, com o aligeirar das medidas, vemos muita gente a circular com máscaras feitas com padrão “africano”, trazendo certa cor e uma vida invulgar para as ruas.

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Essa crise veio destapar o sistema de saúde debilitado e uma economia cronicamente dependente do petróleo e do estrangeiro. Os desafios serão enormes e, para além da apregoada criatividade do angolano, precisaremos de muito trabalho. Sem a possibilidade de recorrermos ao estrangeiro, vamos ter de acelerar um conjunto de reformas que já deveríamos ter feito, enquanto país, há anos.

Antes da pandemia já tínhamos problemas básicos que não conseguimos resolver. Não é todo mundo que consegue lavar a mão em água limpa, por exemplo. A qualidade de nossa água não é das melhores. A maior parte da população daqui vive em condições muito precárias. É um trabalho árduo que se está a fazer desde que se começou a pandemia. 

O Governo tem tomado algumas medidas como a distribuição de sabão e água, mas isso não é o suficiente. No início sua atuação foi meio atabalhoada, mas depois, penso que conseguiu granjear credibilidade e consistência. Internamente, numa altura em que proliferam inúmeras fake news, decidimos seguir apenas duas fontes: o Ministério da Saúde e a OMS, que têm diariamente atualizado o número de casos e os comunicado de forma clara.

Aqui ainda estamos com essa questão de conseguir manter as ruas limpas, de ter água corrente limpa, de sensibilizar as pessoas e dar acesso à informação. Há um trabalho árduo pela frente, tanto por parte da sociedade civil quanto pelo governo e temos como maior prioridade o setor da saúde e da educação.

Também já estávamos a viver a questão da desvalorização da nossa moeda e a inflação dos preços, o que impacta de uma forma trepidante o momento que nós estamos a viver, pois a maior parte dos equipamentos que utilizamos em nosso trabalho mandamos vir de fora. Temos algumas solicitações que estão pendentes no momento, justamente devido ao encerramento das fronteiras. Fazemos muito investimento em equipamento e fazemos muitos pagamentos em dólares e em euros. Com essa questão das divisas, o cenário tem sido difícil e às vezes até assustador, porque todos os dias nós temos uma informação nova, o câmbio está sempre a alterar e cada vez mais nós estamos a sentir na pele o impacto, mesmo para os produtos de necessidade básica, e isso é muito preocupante para nós.

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A empresa está fechada há quatro semanas, desde que tivemos um posicionamento oficial e de percebermos que tínhamos de optar por um trabalho remoto. Existem dificuldades, mas o impacto não é assim tão grande. No mês de março, tivemos uma ligeira quebra na faturação, com bastantes trabalhos cancelados e reagendados. Em abril, conseguimos rapidamente recuperar e adaptamo-nos a uma nova condição para atingir as metas de faturação mensal.

Uma das principais características da Geração 80 é que temos um portfólio de clientes diversificados, não trabalhando em apenas uma área do audiovisual. De maneira geral, sentimos que continua a haver demanda grande para produtos audiovisuais. Tanto para campanhas de sensibilização sobre a pandemia como para a comunicação interna das empresas, o audiovisual é cada vez mais necessário. Os projetos com os quais estamos trabalhando agora surgiram por necessidades das empresas do setor bancário e petrolífero, que aperceberam-se que as plataformas digitais são o meio possível de conseguir comunicar-se com os seus clientes e fornecedores neste momento.

Temos produzido desde videoaulas a podcasts. Agora que as pessoas passam os dias a olhar para um ecrã para trabalhar, socializar ou à procura de entretenimento, existem dois negócios que continuam a se desenvolver: a tecnologia e o audiovisual. No entanto, vamos à rua apenas se for um trabalho muito específico. Estamos muito limitados e evitamos ao máximo estar expostos à rua e ter contato direto com as pessoas. Quanto mais conseguimos executar o trabalho remotamente, melhor. No início, o trabalho remoto foi hesitante e tivemos alguns colegas que tiveram algumas dificuldades.

Em Angola, a realidade em relação ao acesso à internet é que temos uma boa qualidade de sinal na maior parte dos centros urbanos, mas o preço dos serviços não é acessível a todos. Disponibilizamos um plano de internet para nossos colaboradores, em um investimento em tecnologia feito pela produtora. Além disso, alguns levaram os computadores para casa, porque nem todos possuem computador pessoal. Para reuniões de trabalho e reuniões com clientes, nós utilizamos a ferramenta Google Meet e trabalhamos com o Google Drive para a partilha das nossas informações e para fazer os nossos projetos. Usamos também o telefone, WhatsApp e as redes sociais. Então a informação não para de fluir, mas de uma maneira muito mais digital.

Temos 20 funcionários no total. São 16 pessoas no mapa de salários mensal, com contrato, e quatro com contratos de prestação de serviços semestral e anual. Conseguimos manter os salários e pagá-los de forma atempada. A nossa prioridade agora é manter os colaboradores. São eles que constroem diariamente a empresa, e é nas situações críticas que devemos manter-nos juntos. Independentemente de nossos esforços, a crise afeta a todos porque os preços já vinham a aumentar significativamente em Angola, bem como o custo de vida, enquanto o poder de compra baixou drasticamente. Até o momento não precisamos fazer demissões, mas desenhamos um plano de contingência para o caso de a situação se agravar. Por ora, demitir o pessoal será nossa última opção. A principal fonte de rendimento da Geração 80 é proveniente dos serviços que prestamos, maioritariamente no segmento corporativo e publicitário.

A diminuição no número de produções e adiamentos de filmagens com certeza têm um impacto na cadeia produtiva que movimentamos. Trabalhamos com cerca de 400 prestadores de serviços freelance, desde fotógrafos, operadores de câmera e som, montadores, modelos, atores, entre outros. Ainda não conseguimos prever ao certo quão afetados esses profissionais serão, mas é certo que estão em uma posição mais vulnerável do que quem colabora permanentemente com uma instituição.

Já tínhamos criado um plano de atividades para o ano de 2020. Em junho deste ano nós completamos dez anos de existência no mercado e tínhamos um leque de atividades preparado para poder celebrar essa data. Tivemos que adiar a programação comemorativa e estamos ainda num período de incógnita, nos adaptando à realidade à medida em que as coisas forem melhorando e evoluindo. Tínhamos previsto o lançamento de uma nova área de negócios, com um estúdio de som; a abertura do novo Espaço da Geração 80; a consolidação de clientes corporativos; o apetrechamento de nosso estúdio de fotografia; o reforço de equipamento audiovisual para utilização interna; e a produção de um curta-metragem.

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Além disso, estávamos a trabalhar na divulgação e distribuição da primeira longa-metragem de ficção da produtora, Ar Condicionado, que estreou no começo deste ano no Festival de Roterdão, na Holanda. Este ano recebemos diversos convites, mas a participação em festivais internacionais foi bastante alterada. Muitos festivais foram cancelados e tantos outros adiados. Mas nós continuamos em contato com essas instituições que estão muito interessadas em fazer coisas em torno dessa nova produção. O público internacional está sedento de histórias e realidades novas. É algo muito gratificante e relevante, que nos dá força para continuar a trabalhar, produzir e difundir. Temos agora que ser flexíveis com a execução desses planos. Os objetivos passaram a ser manter os colaboradores e sobreviver a este ano atípico.

Além disso, em um momento em que a maioria das pessoas encontra-se em casa, produzimos em parceria com uma instituição local, a Fundação Arte e Cultura, mais de 40 vídeos com diferentes temáticas (teleaulas, peças de teatro, concertos, recitais de poesia etc.) que têm sido veiculados na Televisão Pública de Angola (TPA) e em plataformas digitais. O projeto foi pensado pela fundação tão logo se iniciou a pandemia. 

Nunca antes tivemos espaço em uma plataforma com tanta visibilidade como um canal de televisão com sinal aberto. Eu acho que é muito importante nós estarmos a conhecer o que se está produzindo a nível nacional, sem ter que esperar que passe no cinema.

Infelizmente em Angola não há muitas salas de cinema. Essa é a reclamação das pessoas do meio do audiovisual. Não parece ser uma prioridade para o Ministério da Cultura. Muitas das salas de cinema que temos estão fechadas, e essa questão ainda é uma incógnita. Os filmes da Geração 80 dificilmente passam no circuito comercial. Nós temos uma produção muito mais alternativa e procuramos soluções para poder fazer chegar esses nossos conteúdos a outras pessoas. Espero que essa iniciativa de veicular os conteúdos para um público mais amplo tenha aberto um canal de diálogo maior. Já estamos a consolidar uma relação e estabelecer contatos, e espero que esse intercâmbio não se limite só à pandemia.

Como nós não temos uma postura oficial e concreta sobre o circuito de cinema daqui, também tentamos improvisar e adaptarmo-nos à nossa realidade para tentar fazer acontecer.

Temos o Cinema da Coreia, por exemplo, que é um espaço praticamente abandonado, mas que conseguimos arrumar para poder passar o documentário Para lá dos meus passos, da nossa colega Kamy Lara. Também improvisamos uma sala de cinema no terraço de um prédio, onde foi a estreia nacional do filme Ar Condicionado.
Apesar dos obstáculos e das carências, não nos limitamos a ficar parados e tentamos fazer com que nossos conteúdos cheguem ao maior público possível.

Infelizmente, em Angola não temos fundos de apoio à cultura, nem mecanismos de assistência ao setor cultural. Temos várias leis, como a do Cinema e a do Mecenato, que continuam apenas como intenções, sem uma implementação e impacto concreto na atividade cultural dos profissionais. As instâncias governamentais não têm criado fundos e editais claros, e o setor privado está cada vez com menos disponibilidade financeira para apoiar projetos culturais.

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Ainda assim, penso que a resposta governamental para a crise da COVID-19 tem sido adequada, o que de alguma forma garante que não se tenha ainda perdido o controlo da propagação do vírus. Entretanto, não temos conhecimento de nenhuma medida específica para os profissionais da cultura. Os incentivos criados até o momento são apenas para os setores produtivos considerados prioritários. Poderíamos olhar para países europeus, como a Alemanha, para pensarmos em medidas que estimulem o setor em Angola, mas seria completamente irrealista. Não se pode esperar que o que não se conseguiu fazer nos quase 20 anos do pós-guerra na área da cultura se faça em apenas dois meses. E a prioridade neste momento não está na cultura, está nos hospitais.

A Associação de Publicidade e Marketing de Angola (APM), que congrega agências, produtoras e profissionais do audiovisual, da qual a Geração 80 faz parte, juntou-se ao Ministério da Comunicação e, em conjunto, produziram a custo zero campanhas de sensibilização sobre a COVID-19.

 

Uma boa prioridade para o setor cultural seria definir metodologias e estratégias para apoio à cultura. Promover concursos, pensar a cultura de uma forma mais séria e funcional. Nós não conseguimos sentir o que de fato se está a passar internamente no Ministério da Cultura. Não temos acesso. Não é perceptível como estão a trabalhar e no que estão a trabalhar. Eu acho que poderia ser prioridade tornar transparente aquilo que o Ministério representa para o país e como pretendem impulsionar a nossa cultura, primeiro entre nós e depois para fora. Porque mesmo aqui, precisamos viver e respirar a nossa cultura de uma forma mais funcional. Existe uma necessidade gritante de definir políticas e alavancar a nossa cultura.

Temos que trabalhar mais e fazer as coisas com mais brio, com mais responsabilidade, com mais propósito. É muito importante saber o que se está a fazer, para quem e por quê. Ouvir e perceber uma dinâmica e uma metodologia, porque nós todos os dias estamos a mudar, e a vida está cada vez mais dinâmica e tecnológica. É importante que as entidades oficiais do nosso país, tanto as públicas quanto as privadas, estejam a acompanhar essa evolução e busquem estabelecer um equilíbrio. Acho importante sentar, parar e pensar naquilo que vale a pena e que se pode fazer no nosso contexto, com nosso sangue e nossa energia.

Particularmente aqui na Geração 80, estamos sempre com um olhar de esperança e confiança de que as coisas possam vir a melhorar um dia. Nos mantemos focados e unidos naquilo que realmente importa, nos objetivos que queremos atingir. Vão sempre surgir obstáculos. Essa pandemia vai passar, e pode vir a surgir outra crise. Esta é uma grande oportunidade para estarmos preparados para os desafios futuros. É uma altura ideal para repensarmos a nossa postura em relação à vida e em como lidamos com as pessoas. Nós dependemos uns dos outros e vamos continuar a depender sempre.

É importante percebermos o que podemos tirar de positivo deste período: melhorar processos, tornar o trabalho mais eficiente, tirar maior partido da tecnologia disponível e usar melhor as ferramentas para chegar ao público. De pouco ou nada serve esse serviço de futurologia. O que esta pandemia reforça é que, mais do que nunca, sobreviverá quem tiver capacidade de adaptação rápida. Apesar de ser uma situação sem data prevista para terminar, de uma coisa sabemos – não será para sempre.

A Sintaxe de um sujeito composto
Geração 80
Lia Rodrigues Companhia de Danças
Centro Cultural do Mindelo
Literatas
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