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A SINTAXE DE UM SUJEITO COMPOSTO

O Circulador é uma plataforma de pesquisa dedicada à difusão da produção cultural, à análise da mobilidade e intercâmbio artístico e às políticas que regem a economia da cultura dos países que falam a língua portuguesa. Com a missão central de dar a conhecer a maneira como operam os agentes desse espaço de língua partilhada, busca dar visibilidade à diversidade cultural que tece as redes entre seus principais centros urbanos com o restante do mundo.

Na língua portuguesa, denomina-se sintaxe o estudo das palavras dentro das frases e orações e a maneira como se relacionam entre si. A partir da análise da disposição de diferentes elementos em uma estrutura e as possibilidades de sentido que sua conexão apresenta e enuncia, percebemos para além da individualidade de cada elemento, a funcionalidade de um sistema conectado, no qual a possibilidade de mutação é também uma constante. A identificação da ação que é praticada, e de quem a está a praticar, será sempre determinante para poder buscar entender e descobrir lógicas no intercâmbio das mensagens que se buscam transmitir. Nesse sentido, para além do verbo, que é a força motriz de uma ideia em movimento, é a partir do sujeito que podemos conhecer as perspectivas, especificidades e minúcias daquilo que é praticado e apresentado em forma de discurso.

Ao observar a ação cultural nos países de língua portuguesa, encontramos sujeitos diversos, independentes sintaticamente e agentes de suas próprias circunstâncias de tempo e espaço. No exercício de refletir uma possível coletividade, propõe-se aqui pensar a sintaxe de um sujeito composto, que a partir de diferentes núcleos articula e exerce uma ação coordenada.

Conectar um território disperso no tempo e espaço, cuja herança cultural aproxima e os oceanos separam, é um trabalho de reconhecimento, escuta e partilha. Falar sobre a economia da cultura em uma comunidade tanto diversa culturalmente quanto em termos de desenvolvimento social e econômico, com realidades e contextos assimétricos, traz a necessidade de constantemente redefinir perspectivas em busca da desconstrução de modelos operacionais. O esforço de conectar esses espaços passa pela necessidade de buscar conhecer e veicular cada vez mais conteúdo, de modo a contribuir para que suas histórias e narrativas viajem mais longe.

As últimas duas décadas foram marcadas por uma crescente participação dos países do Sul nos fluxos culturais internacionais, com a consolidação de novos centros de produção, fruição e difusão. Embora essas redes ainda se estruturem com pendor ao Norte, é visível o redimensionamento dos diálogos transnacionais contemporâneos, que hoje se veem mais plurais em sua diversidade. O ano de 2020, entretanto, apresenta novos desafios para a agenda da cultura. A pandemia do novo coronavírus desencadeia uma crise sem precedentes, impactando com força o setor cultural em escala mundial e fazendo com que a diversidade de expressões culturais se veja, mais do que nunca, ameaçada.

Foi a partir da metrópole de Wuhan, na China, que o novo vírus se espalhou rapidamente pelas vias de um mundo hiperconectado e em constante trânsito, e em poucas semanas deslocou o seu epicentro desde a Ásia até as Américas. A alta capacidade de transmissão do vírus, aliada um alto número de contágios e mortes, gerou uma crise sanitária que forçou as maiores economias do mundo a, bruscamente, apertarem os freios. Grandes metrópoles esvaziaram-se e mergulharam em um silêncio inédito, com quase 1 bilhão de pessoas a terem entrado em confinamento forçado ou voluntário entre janeiro e junho de 2020. A crise sanitária confronta a humanidade com um momento ímpar em sua história, tornando-se uma grave crise econômica, deixando expostas e agudas as maiores fragilidades e mazelas do projeto neoliberal e de todo o sistema global de cadeias produtivas e de consumo interdependentes, marcados pela crescente desigualdade.

Após extensos períodos de confinamento que seguiram diferentes estratégias e orientações, com profundos impactos econômicos e sociais, sobretudo nos países em desenvolvimento, o mundo começa cautelosamente a operar em uma nova normalidade. Em meio a novas regras de convívio social e deslocamento, governos e sociedade pisam com cuidado em novo território, buscando a retomada das atividades econômicas para mitigar estragos e evitar uma completa derrocada econômica. Em um cenário de incerteza, no qual a produção de uma vacina pode ainda demorar alguns anos, a situação é constantemente comparada aos mais difíceis tempos do século XX, como a Gripe Espanhola, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.

Para além da necessidade de rápida adaptação dos sistemas nacionais de saúde ante à pandemia de um novo vírus, a paralisação generalizada de atividades confronta diversos setores com desafios também inéditos em escala e profundidade. Nesse panorama, o setor cultural, que tem a proximidade, o vínculo e a troca constante com o público como um elemento primordial de sua existência, é sem dúvida um dos mais afetados. Teatros, salas de espetáculo, museus, galerias e cinemas foram os primeiros a encerrarem suas atividades e serão os últimos a poderem voltar a operar em sua normalidade.

A crise da pandemia igualmente acelera uma tendência já em marcha de digitalização. Nessa redefinição urgente de espaços, fica também exposta a impossibilidade de uma transição completa das artes para o universo online, trazendo à tona questões sobre sua monetização para os profissionais da cultura e também sobre a democracia e a soberania dos espaços digitais. Muito embora o virtual permita conexões e sincronicidades de tempos e lugares distintos, criando novos espaços e velocidades em constante atualização, também pode excluir significativas proporções da população mundial de exercerem seus direitos culturais e econômicos.

A crise deixa a nu, sobretudo, a fragilidade do setor da cultura, que sofre historicamente com o subfinanciamento e a instabilidade, e é marcado por uma profunda desarticulação de políticas nas diferentes esferas da administração pública e também dentro do próprio setor, além da intermitência e precarização da condição laboral de seus profissionais. Isso é ainda mais real em países em desenvolvimento que têm suas instituições, sistemas, estruturas e políticas para a cultura em situações muito mais delicadas. Uma crescente crise de governança global afeta também a atuação de organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), cujas resoluções, convenções ou recomendações encontram dificuldades crescentes para sua implementação.

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A cultura movimenta anualmente US$ 2,2 bilhões, empregando cerca de 30 milhões de pessoas em todo mundo – o que representa 3% da economia mundial1. É essencial perceber a cadeia produtiva que sustenta todo um setor profissionalizado, entendendo-a como um real motor de desenvolvimento socioeconômico. É igualmente essencial que a cultura seja colocada com centralidade nos esforços de recuperação e no processo de reconstrução durante e no pós-pandemia.

Nessa perspectiva, a campanha #CULTURE2030GOAL2, que reúne diferentes redes culturais no mundo atuando em favor da inclusão da cultura na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, lançou um importantíssimo manifesto ao dia 21 de maio de 2020, clamando para que a cultura cumpra seu potencial na resposta à pandemia da Covid-19. Chamando atenção para o iminente risco à ampla diversidade nas manifestações e práticas da cultura, em sua forma e conteúdo, o manifesto clama para que bem-estar social, a solidariedade e a sustentabilidade estejam no centro das políticas culturais de curto e longo prazo, assim como pede igual centralidade para os instrumentos de cooperação cultural internacional na construção de comunidades mais resilientes. Em um momento em que o setor cultural se confronta com a necessidade de reinventar-se por completo, olhar para o futuro nos traz a certeza de que os desafios que sempre estiveram presentes serão ainda maiores.

Partindo dessa orientação, nos debruçamos sobre as especificidades do setor cultural nos países de língua portuguesa, não pela coleta extensiva de dados, mas sim pela escuta atenta de percursos e dos processos de devir de diferentes agentes da cultura atuando em e transformando seus espaços.

O cenário de crise aguda vivido em escala global tem particular proeminência nesse conjunto de países que tratamos aqui, e que se encontram em situações muito distintas. 

As diferenças revelam-se desde o momento de chegada do vírus, sua expansão e duração, passando pelas condições econômicas e estruturais para o seu enfrentamento, culminando, finalmente, nas respostas oferecidas pelos Estados e pela sociedade-civil. A estrutural e histórica descontinuidade e a própria ausência de marcos regulatórios, legislações e políticas culturais são peculiaridades importantes desse conjunto de países, que de maneira geral, contam com um setor cultural criativo não apenas em suas práticas, mas também na manutenção de sua própria existência.

Utilizando-nos de aplicativos de videoconferência conversamos, durante o confinamento, ao longo do mês de maio, com cinco profissionais da cultura à frente de instituições que atuam nas artes visuais, na dança, no audiovisual, na literatura, e na mediação cultural e formação de público em Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde.

Em Angola, com Alice Cruz, gerente do departamento de áudio da Geração 80, produtora audiovisual baseada em Luanda. No Brasil, com Lia Rodrigues, coreógrafa e diretora da Lia Rodrigues Companhia de Danças, no Rio de Janeiro. Em Cabo Verde, com António Tavares, diretor artístico do Centro Cultural do Mindelo (CCM), no Mindelo. Em Moçambique, com Eduardo Quive, diretor da LITERATAS – Revista de Artes e Letras de Moçambique, baseada em Maputo. Em Portugal, com a artista visual Mónica de Miranda, diretora artística do Hangar – Centro de Investigação Artística, em Lisboa.

Com foco preciso nas comunidades nas quais se inserem, essas instituições e projetos possuem em comum o fato de serem centros de gravidade e referência do setor no qual atuam, contribuindo para a formação e o desenvolvimento de outros profissionais e pessoas, assim como para a definição de uma agenda coletiva. Aproximando-nos de quem pratica a cultura na ponta, mais do que um panorama completo e técnico sobre o impacto da pandemia da Covid-19 nesses países, buscamos conhecer como esses projetos foram afetados em suas práticas, em sua sustentabilidade financeira e em suas estratégias, assim como em as suas comunidades e entorno, no sentido de conhecer as singularidades de cada percurso. Ao longo destas páginas, conhecemos um pouco da realidade de complexas capitais e metrópoles e adentramos nas especificidades de setores que operam de maneiras distintas dentro da cultura. Sem ter a pretensão de exercitar a futurologia, esse conjunto de conversas nos mostra a importância de estarmos atentos e presentes, prontos para o próximo salto.

É importante, entretanto, contextualizar o leitor sobre os diferentes sistemas no qual cada um de nossos interlocutores opera, de modo a fornecer alguma perspectiva introdutória para análise e compreensão dos desafios que enfrentam. 


1 UNESCO, 2015.
2 Culture2030Goal campaign (2020), “Ensuring Culture Fulfills its Potential in Responding to the COVID-19 Pandemic”, published in Barcelona, Brazzaville, Brussels, Buenos Aires, Montreal, Paris and The Hague, on 20 April 2020.


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Com 10 anos de atuação no setor audiovisual angolano, a Geração 80 é uma produtora que, operando em um cenário econômico instável e fortemente dependente do mercado externo, soube encontrar soluções e aliar a produção de conteúdo publicitário e corporativo à criação de produções de alto valor artístico, cada vez mais reverenciadas no circuito internacional.

A crise do coronavírus ao mesmo tempo que impactou a estratégia de divulgação e distribuição do primeiro longa-metragem de ficção da produtora, Ar Condicionado, que teve sua estréia internacional no prestigiado Festival de Roterdã, apresenta oportunidades, como a iniciativa online que congregou grandes festivais internacionais de cinema para a realização do We Are One – A Global Film Festival, permitindo que o filme fosse acessado por pessoas em todo o mundo. Neste momento de crise, como veremos, a produtora também pôde aprofundar os canais de comunicação e cooperação com as instâncias governamentais de Angola, passando a produzir e difundir conteúdo para a televisão aberta nacional e abrindo talvez uma janela de grande importância para a produção autoral, a formação de público e a estruturação de um mercado interno em um país com um setor audiovisual ainda incipiente.

Mas entender a dinâmica cultural angolana passa também por abordar sua organização política e econômica. Logo após a independência, em 1975, Angola viveu uma das guerras civis mais longas da história, motivada pela disputa pelo controle político do país. Durante quase 30 anos, o financiamento da guerra foi a prioridade do Estado, que acabou por negligenciar o investimento em educação e cultura, dificultando assim o estabelecimento sustentado de um aparato institucional capaz de permitir a fruição cultural.

Após o término da guerra, em 2002, Angola inicia um processo de reconstrução nacional, vivendo uma década de crescimento econômico vertiginoso, com grande participação de capital estrangeiro e intenso desenvolvimento da indústria petrolífera. Apesar de avanços com a criação do Ministério da Cultura, em 2003, o estabelecimento do Festival Internacional de Cinema de Luanda (2008) e a promulgação da Lei do Cinema e do Audiovisual e da Lei do Mecenato (2012), a realidade objetiva do setor cultural no país aponta para um cenário ainda desestruturado e instável.

Em abril de 2020, já em meio à expansão da pandemia do novo coronavírus, o Ministério passou a abrigar, como uma medida de austeridade, as pastas de Meio Ambiente e Turismo. A nova titular do Ministério da Cultura, Ambiente e Turismo é a bióloga Adjany da Silva Freitas Costa, com atuação de destaque na preservação da biodiversidade. É, entretanto, a antiga Ministra da Cultura, Maria da Piedade de Jesus, a atual secretária de Estado da Cultura, responsável direta do Ministério pela gestão das políticas culturais no país. Foi ela que discursou sobre as medidas de enfrentamento à Covid-19 tomadas em Angola durante a reunião digital organizada pela UNESCO no dia 22 de abril, inserida no contexto do Fórum de Ministros da Cultura.

Em sua fala, a secretária enumerou as ações de apoio financeiro empreendidas pelo governo para atender às demandas do setor, como a liberação de orçamento para instituições culturais, fechadas desde o início do estado de emergência; a criação de uma linha de crédito para financiar o turismo e a ação artística e cultural; e o alargamento de prazos e condições fiscais para os agentes da cultura.

Além disso, Maria da Piedade reforçou o importante papel que os artistas angolanos têm na sensibilização para a arrecadação de donativos. Afirmou também estar em curso o planejamento para a implementação de medidas sanitárias que permitam a reabertura dos estabelecimentos o mais pronto possível. 

A ministra comunicou, no dia 19 de maio, que os 6.600 agentes culturais e turísticos inscritos no cadastro de associações do país receberão cestas básicas como forma de mitigar os efeitos da pandemia e que o Ministério já está em diálogo com os profissionais do setor para propor soluções adequadas3.

Esse conjunto de respostas, no entanto, não aparece na comunicação oficial do Ministério da Cultura, cujas publicações são esparsas. A comunicação em redes sociais, que costuma obedecer a um ritmo mais dinâmico, tampouco traz posicionamento oficial.

Nesse cenário, chama atenção o caráter propositivo de associações e organizações do terceiro setor no país. Uma iniciativa de destaque é o projeto Fundação Arte e Cultura Online, criado em 24 de março pela Fundação Arte e Cultura, como resposta às limitações impostas pelo estado de emergência, realizando atividades formativas culturais com transmissão a partir das redes sociais. Também junto com a produtora Geração 80 produziu uma série de conteúdos educativos para ser veiculada na Televisão Pública de Angola (TPA). Juntos, já realizaram mais de 40 filmes informativos e de entretenimento que buscam a conscientização da população aos cuidados necessários para conter a propagação do vírus.


3 Fonte: Portal de Angola


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Com quase a mesma idade que a democracia brasileira, a Lia Rodrigues Companhia de Danças está estabelecida no Complexo da Maré, Rio de Janeiro, desde 2003, a partir de onde constrói e articula constantemente redes internacionais, na busca de superar gargalos estruturais e as lacunas deixadas pela inconstância das políticas culturais no Brasil. É em grande parte devido à intensa circulação, produção e cooperação artística no mercado internacional, principalmente o europeu, que a Companhia garante e assegura a perenidade de um projeto altamente ancorado em um território e comunidade específicos, projetando-os para o mundo.

Com sede no Centro de Artes da Maré, desenvolve um trabalho reconhecido internacionalmente aliando a produção coreográfica a questões socioculturais e políticas, fazendo da criação e formação artística por meio da dança um instrumento de formação para cidadania. Congregando uma série de favelas da Zona Norte do Rio de Janeiro, o Complexo da Maré é um território complexo que ilustra a desigualdade que caracteriza o Brasil e seus desafios para enfrentar a pandemia do coronavírus.

Depois de anos de um regime de exceção, o Brasil iniciou o seu processo de redemocratização a partir de 1985. Durante o governo de transição de José Sarney, o primeiro civil a comandar o país depois de 21 anos de ditadura militar, foi criado o Ministério da Cultura (MinC), instituído como órgão de gestão das políticas culturais e pautado em ideais democráticos, buscando desassociar-se do histórico de censura e propaganda que havia marcado o ambiente cultural nas décadas anteriores.

Em outubro de 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, designou-se ao Estado o dever de garantir o pleno exercício dos direitos culturais. Entretanto, já nos anos 90, a máquina pública brasileira passou por um progressivo processo de redução e desburocratização, com a priorização de leis de incentivo fiscal como estratégia de fomento à cultura, sendo as duas leis mais importantes do período a Lei Rouanet (1991) e a Lei do Audiovisual (1993).

Entre 2003 e 2010, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva conferiu maior institucionalidade para a política cultural, criando mecanismos para a participação popular na tomada de decisão. Pela primeira vez, o Ministério da Cultura foi construído com um alto grau de especialização, transversalidade e capilaridade, em uma estrutura administrativa robusta que colocou a cultura como vetor privilegiado para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Foi nesse período que se idealizou e se buscou implementar o Sistema Nacional de Cultura (SNC), desenvolvido ao longo da década e resultando na posterior aprovação do Plano Nacional de Cultura (PNC), em 2010, concebido para propor políticas públicas para o setor durante 10 anos, independentemente das mudanças de governo.

O período que compreende a vigência do PNC, entretanto, vivenciou o progressivo desmonte do setor cultural no país. Em maio de 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, o presidente interino Michel Temer anunciou a extinção do MinC, provocando a mobilização da sociedade civil organizada, que conseguiu impedir o fechamento da pasta. Contudo, Jair Bolsonaro, eleito à presidência em 2018, em uma de suas primeiras medidas à frente do Executivo, efetivou a extinção do ministério, transformando-o em Secretaria Especial da Cultura (SEC). 

Além da redução orçamentária, o status de Secretaria significou também menor autonomia na condução da política cultural. Inicialmente parte do Ministério da Cidadania, desde novembro de 2019 a SEC integra o Ministério do Turismo. Assim, entre 2016 e 2020 o Brasil teve oito diferentes ministros e secretários especiais à frente da administração pública da cultura.

Em meio à ascensão de um discurso de extrema-direita, que reforça cada vez mais a criminalização da produção artística, a crise do coronavírus encontra o país em um contexto de completo desencontro de orientações políticas, sem conseguir estabelecer uma estratégia unificada de combate à pandemia. Com uma larga parcela de sua população vivendo em condições de vulnerabilidade, o país tornou-se em maio o segundo país com maior número de infectados no mundo e sofre para implementar medidas de isolamento social em seu território de proporções continentais. O atual presidente do país, ao discordar da efetividade de medidas de confinamento e paralisações sistemáticas, entra em confronto diariamente com os chefes do Executivo dos Estados e Municípios, e nega as recomendações da OMS, em uma queda de braço entre as diversas instâncias de poder brasileiras.

Diante da iminência de uma crise social de grandes proporções, o Congresso Nacional aprovou em 30 de março de 2020 o auxílio emergencial destinado a trabalhadores informais, autônomos e desempregados – categoria na qual se insere a maior parte dos trabalhadores da cultura.

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O Governo compromete-se em fornecer, por três meses, auxílio no valor de 600 reais, para até duas pessoas da mesma família. Ante a possibilidade de prolongamento da crise, o Presidente confirmou em maio a extensão do benefício, reduzido, entretanto, em seu valor. O programa não visa especificamente os profissionais da cultura, mas a ex-secretária Especial da cultura Regina Duarte o menciona como uma das principais medidas tomadas por sua administração.

A SEC, nesse contexto, não conferiu maior importância ao impacto da crise e desde o início da pandemia não oferece nenhum canal especial para a gestão e diálogo com os profissionais da cultura. Em seu portal online e por meio das redes sociais, opera com esparsos comunicados oficiais, tendo publicado, como medida paliativa, uma Instrução Normativa no Diário Oficial, estabelecendo procedimentos extraordinários para a captação, execução, prestação de contas e avaliação de resultados de projetos financiados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).

As secretarias de cultura no âmbito dos Estados e Municípios têm buscado maneiras distintas de oferecer mecanismos para dar suporte ao setor e seus profissionais, sobretudo por meio de editais e chamadas a projetos, como é o caso das iniciativas Teatros e Centros Culturais na Rede e Conexão Casas de Cultura 2020, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; da plataforma #CulturaEmCasa, da Secretaria de Cultura e Indústrias Criativas do Governo do Estado de São Paulo; e do edital Cultura Presente nas Redes da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, entre outros.

Importantes iniciativas da sociedade civil brasileira, entretanto, buscam ocupar o vácuo deixado pelo principal órgão responsável pela cultura no país. Dentre elas, destaca-se a pesquisa Impactos da COVID-19 na Economia Criativa, do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC-BA), que, visando fornecer subsídios para a tomada de decisões nos setores públicos e privados, divulga boletins quinzenais com resultados preliminares e análises periódicas, a partir da consulta com mais de dois mil indivíduos e mil organizações atuantes no setor cultural brasileiro.

A ausência de seriedade no trato com as necessidades da classe artística tem provocado comoção e mobilização do setor. Em maio, iniciou-se por meio de campanhas nas redes sociais o movimento #LeideEmergenciaCultural, com o objetivo de pressionar o Congresso Nacional para aprovar o Projeto de Lei que prevê a transferência de R$ 3,6 bilhões da União para Estados e Municípios, destinados à aplicação de ações emergenciais ao setor cultural. Com autoria da deputada federal Benedita da Silva e relatoria da deputada federal Jandira Feghali, ambas do Rio de Janeiro, a proposta define dentre uma série de garantias e condições especiais para os profissionais da cultura, a renda emergencial para profissionais informais, subsídios mensais para manutenção de espaços artísticos e culturais e financiamento de editais e chamadas públicas, assim como a aquisição de bens e serviços para o setor. No dia 26 de maio, batizada de Lei Aldir Blanc4, a lei foi aprovada na Câmara dos Deputados, tendo sido aprovada posteriormente no Senado Federal, ao dia 04 de junho, ficando apenas à mercê da sanção presidencial de Jair Bolsonaro para sua entrada em vigor.


4 O nome da lei homenageia o compositor brasileiro Aldir Blanc, morto em decorrência da Covid-19.


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Sob a tutela do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas (MCIC) de Cabo Verde, o Centro Cultural do Mindelo (CCM) oferece uma programação ampla e diversificada, servindo há anos como instrumento de mediação cultural e formação de público. Trabalhando em estreita cooperação com uma abrangente rede de colaboradores, seu espaço é de grande importância para a vida cultural na cidade e o fechamento de suas portas durante a quarentena imposta pela crise do coronavírus repercute em toda a cena cultural do Mindelo.

Desde os anos 2000, o Governo de Cabo Verde tem implementado reformas estruturantes, dando gradativa centralidade às indústrias culturais e criativas na formulação de políticas públicas, com um Ministério cada vez mais atuante. Com base em um circuito de feiras, festas e festivais, com o apoio à circulação de artistas e o estabelecimento de roteiros associados ao patrimônio material e imaterial do país, o arquipélago se utiliza do turismo cultural como um ativo econômico estratégico. O investimento na capacitação de pessoas, valorizando a diversidade cultural presente nas ilhas, potencializou essa estratégia de promoção econômica, permitindo um crescimento sustentado ao longo dos últimos anos.

O país passou por três fases fundamentais em seu desenvolvimento econômico desde sua independência, em 1975. O primeiro (1975-1989) deu ênfase às políticas para a alimentação, saúde e educação de sua população; o segundo (1990-2000) priorizou a democratização política e liberalização dos mercados, e o terceiro (2000-2010)5 avança no reforço da cidadania, com ampla modernização e reformas institucionais.

Em 2014, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) apresentou um importante relatório sobre as economias criativas cabo-verdianas, no qual reconheceu a importância da vontade política para a viabilização de mudanças estruturais e concretização de um modelo de desenvolvimento sustentável alicerçado nas expressões culturais, dando destaque ao Plano Estratégico Intersetorial da Cultura (2010). Atualmente, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas (MCIC) tem papel proeminente também na estratégia de internacionalização do país, alinhando-se às principais recomendações e instrumentos normativos, e atuando ativamente junto a organismos internacionais.

A conexão com o estrangeiro dinamizada pelo fluxo constante de turistas, expõe, contudo, o arquipélago a uma situação de maior vulnerabilidade diante de epidemias, e os impactos da COVID-19 se fizeram sentir com o maior controle das fronteiras internacionais. Ainda em janeiro de 2020, muito antes da chegada do coronavírus no país, a Direção Nacional da Saúde de Cabo Verde elaborou um plano de contingência para orientar as ações de enfrentamento à COVID-19, seguindo as recomendações da OMS. Após o decreto de um estado de emergência no dia 28 de março, o governo criou linhas de atendimento e de apoio direto, além de portais de monitoramento com atualizações dos casos diagnosticados e campanhas publicitárias de engajamento e conscientização da população. Após a brusca diminuição no número de visitantes às ilhas, o setor cultural também se viu impactado pelo fechamento de instituições culturais e o encerramento generalizado de atividades.

Dentre as medidas governamentais direcionadas a dar suporte aos profissionais da cultura, destaca-se o programa EnPalco100Artistas, criado através do MCIC e implementado pela Bureau Export Music Cabo Verde (BEMCV). O programa contrata artistas de variadas linguagens para realizarem apresentações desde suas casas e continuarem a receber pelos seus ofícios nesse momento de paralisação.

A primeira edição, iniciada em abril, foi muito bem recebida pela comunidade artística, e em maio uma segunda edição pode contar com o apoio financeiro da União Europeia. Além disso, segundo a resolução governamental de 30 de março, os profissionais da cultura registrados no Cadastro Social Único podem solicitar o Rendimento Social, linha de apoio emergencial para os profissionais do setor informal que oferece um auxílio financeiro proporcional aos rendimentos, moratória no pagamento de impostos, condições especiais de negociação de dívida e dispensa de juros compensatórios para aqueles que estão endividados.

O governo tem também buscado um diálogo direto com os profissionais do setor,  tendo mantido um encontro via videoconferência, ao início de junho, entre o Primeiro Ministro, o Vice-Primeiro Ministro e Ministro das Finanças e o Ministro da Cultura e Indústrias Criativas com a Associação dos Produtores de Eventos de Cabo Verde, que apresentou um conjunto de propostas para alavancar o setor durante e após a crise causada pela pandemia, dentre as quais se destaca a premente necessidade da progressiva formalização e regulamentação das indústrias criativas no país. 

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Atuando desde a cidade de Maputo, a LITERATAS – Revista de Artes e Letras de Moçambique foi criada a partir de reuniões na biblioteca do Centro Cultural Brasil-Moçambique (CCBM). A iniciativa de jovens jornalistas já comemora oito anos de existência e é hoje uma importante plataforma para visibilidade e articulação do setor cultural no país. Contribuindo ativamente para a construção de pontes não apenas com as instituições governamentais, mas também entre os agentes da sociedade civil, a revista advoga por uma crescente estruturação e pela inovação nas maneiras de operar na cultura.

Aliada à educação, a administração da cultura sempre teve um papel de destaque na construção dos ideais e projetos de país para Moçambique. Entre 1975, ano da independência nacional, até o presente, a Cultura esteve, entretanto, alocada em mais de nove diferentes órgãos do Estado. Desde 2015 é o Ministério da Cultura e Turismo o órgão central responsável pela coordenação, direção, planificação e execução das políticas e estratégias nas áreas da cultura e turismo do país.

A Luta de Libertação, com um projeto socialista para o país, trouxe uma proposta de cultura e educação revolucionárias, atuando diretamente na criação de instituições culturais nacionais e na condução de suas políticas. A partir dos anos 1990, após o período da guerra civil, com a abertura ao mercado capitalista identifica-se a transição de um Estado interventor e produtor de cultura, que marcou os anos da independência, para um Estado meramente regulamentador6.

A redução progressiva do Estado Moçambicano torna a intervenção de agentes internacionais no país ainda mais acentuada, inclusive no campo da cultura. Embora a cena cultural de Maputo seja pulsante e criativa, a maioria dos eventos, programas e atividades culturais, por muitas vezes, são criados ou viabilizados por agências governamentais de países estrangeiros como Alemanha, França, Portugal, Brasil e Estados Unidos, assim como pela ação de agências da ONU e outras organizações internacionais. Por meio de estímulos ao setor, essas instituições articulam políticas e oferecem a maior parte dos mecanismos disponíveis aos profissionais da cultura no país. Ainda que essenciais em um contexto de cooperação internacional, operam segundo agendas próprias e sua atuação pode trazer efeitos colaterais, dificultando um desenvolvimento autônomo.

Moçambique busca, assim, criar bases institucionais que auxiliem a estruturação de determinados setores. O setor criativo é visto como ferramenta para geração de empregos, conectando a cultura com o desenvolvimento e valorizando as ricas tradições culturais e artísticas do país. Nesse sentido, dois programas de cooperação internacional se destacam: o programa Fortalecendo as Indústrias Criativas para o Desenvolvimento em Moçambique, e o Programa Conjunto para o Fortalecimento das Indústrias Culturais e Criativas e Políticas Inclusivas em Moçambique, ambos realizados entre 2008 e 2011, em iniciativas conjuntas de agências das Nações Unidas como a UNCTAD, a UNESCO e a OIT. Do segundo, como resultado mais expressivo, pode-se mencionar o importante esforço na criação de um Sistema de Informação Cultural de Moçambique (SICM), que sem ter sido efetivamente alimentado, não evoluiu para se tornar um sistema funcional – uma debilidade entretanto comum mesmo em países desenvolvidos.


6 LANDGRAF, F. L. – Políticas culturais em Moçambique: do Estado socialista ao aberto à economia de mercado, São Paulo, 2014, p. 4.


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A pandemia da Covid-19 trouxe urgência à necessidade de mapeamento das Indústrias Culturais e Criativas no território nacional, como forma de permitir o suporte e oferecer soluções consequentes ao setor. O Ministério lançou, assim, no dia 28 de março de 2020 uma nova plataforma com o objetivo de assimilar aquilo que se está a acontecer e produzir nas artes. Em meio a um estado de calamidade e sob pressão dos profissionais e entidades, viu-se igualmente obrigado a lançar, concomitantemente a esses esforços, iniciativas e linhas de apoio emergenciais.

O programa Arte no Quintal foi lançado então no dia 11 de maio de 2020, em um encontro com artistas e promotores para avaliar os impactos e as ações a desenvolver. Lançado junto com um aplicativo, o programa é uma iniciativa conjunta entre o Ministério da Cultura e Turismo, a UNESCO, o Banco ABSA e a Galeria do Porto de Maputo, e tem por principal objetivo apoiar os artistas com geração de renda, por meio da realização de concertos e programas das mais variadas manifestações culturais, com transmissão online em plataformas como o Facebook, Instagram e YouTube.

No início da pandemia, o governo também colocou no ar um website oficial da COVID-19, reunindo a compilação de dados em tempo real sobre a expansão da pandemia no país e as medidas de prevenção sendo tomadas, dentre as quais consta apenas uma publicada pelo Ministério da Cultura e Turismo que diz respeito ao funcionamento de hotéis, resorts e suas instalações durante este período. Na busca por informações e orientações oficiais, o Facebook, através do perfil oficial do Ministério, é a plataforma com informações mais atualizadas e constantes sobre as medidas específicas para o setor da cultura.

Foi por meio deste perfil que o Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas realizou a transmissão de uma live com seu diretor, Ivan Bonde, que em conversa com o pesquisador cultural Belarmino Lovane, apresentou, nos menores detalhes, o programa Arte no Quintal, elucidando seu funcionamento e respondendo a dúvidas. Com um título bastante revelador, a live Arte no Quintal: Do Cepticismo dos Artistas ao Posicionamento do Ministério aponta a maneira como as pontes de diálogo entre o setor cultural e a esfera das instituições públicas ainda estão em fase de construção e amadurecimento.

O investimento na esfera online representa um aparente desafio para o Estado, que ainda busca criar e consolidar as conexões no mundo físico com os profissionais do setor. Nesse cenário, veremos como a Revista Literatas, que nasce no ambiente virtual, percebe a presente transição e adaptação da prática cultural como uma oportunidade de crescimento e consolidação de sua atuação. Constituída por uma rede de profissionais em trabalho voluntário, durante a pandemia a revista conseguiu lançar três livros, organizar a Semana Africana de Maputo (que contou com a participação do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Abraão Vicente), para além de uma série de debates envolvendo artistas, acadêmicos e intelectuais dos países da CPLP.

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O projeto do Hangar – Centro de Investigação Artística, foi criado em pleno ápice da crise financeira que viveu Portugal entre os anos de 2010 e 2014. Inicialmente funcionando em um modelo itinerante, o projeto passou a ocupar um espaço no bairro da Graça, com o apoio de um programa de requalificação urbana da Câmara Municipal de Lisboa. Criado por artistas e curadores e funcionando em rede e de maneira independente, o Hangar atua nas artes visuais com um foco preciso nas relações transatlânticas entre Portugal, a África e as Américas. Reflete, dessa maneira, uma das facetas da emergente cena cultural do pós-crise no país, que expande seus horizontes e parece entender cada vez mais a força de sua multiculturalidade histórica.

Criado a partir do associativismo e da articulação em redes, o projeto se desenvolveu em amplo diálogo com as instâncias estatais e criou caminho a partir das estruturas e mecanismos governamentais disponíveis, notadamente através de programas de financiamento e suporte ao setor cultural. Nesse processo, construiu-se uma paulatina
institucionalização do projeto, que passou a contar com os encargos da utilização de um espaço fixo e com a perspectiva da estruturação de uma equipe de profissionais com contrato de trabalho. Em um momento em que basculam as estruturas do Estado português para a cultura, que são mais firmes do que as de qualquer outro país sobre o qual nos debruçamos, o projeto do Hangar é chamado a reinventar sua sustentabilidade e depara-se com a importância das parcerias e conexões internacionais criadas ao longo de sua trajetória.

Desde 2014, o percurso de retomada de Portugal tem sido descrito muitas vezes como um verdadeiro renascimento do país. Entre os muitos mecanismos que foram criados para recuperar a economia, a emissão de Golden Visas7, juntamente com um investimento estratégico para a reestruturação do setor do turismo, são tidos como medidas cruciais para a melhora dos indicadores nesse período. Ambas as medidas, aliadas aos incentivos à imigração qualificada, ajudaram a economia portuguesa a registrar o maior crescimento em quase duas décadas no ano de 20178

O turismo passa, mais do que nunca, a exercer um papel central na economia portuguesa e acaba por impactar muitos setores correlatos, como é o caso da cultura. A marca Portugal, criada em um amplo esforço de publicidade do país, promove as capitais lusitanas como cidades cheias de história e cultura, mas também como criativas e inovadoras, voltadas para o futuro. É nesse contexto de crescente fluxo de imigrantes e turistas que cidades como o Porto e Lisboa passam a observar uma paulatina dinamização de suas cenas culturais, com a abertura de novos museus de arquitetura arrojada, seguindo a cartilha da atratividade dos territórios através do vetor da cultura.

No ápice da crise financeira, no mesmo ano do pedido de socorro financeiro à União Europeia (UE) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o Ministério da Cultura de Portugal é extinto e todos os seus serviços são realocados e integrados na Presidência do Conselho de Ministros. Entretanto, após a constituição do XXI Governo, em 2015, o Ministério foi restaurado em sua forma original e tem hoje à frente a Ministra Graça Fonseca, que após um ano do lançamento oficial de um Plano Nacional das Artes (2019-2029), que insere a cultura e as práticas artísticas como parte inerente da educação nacional, se vê em meio a uma crise sem precedentes.

A crise do novo coronavírus abala com força a cultura no país, e o foco do Ministério passa a ser dar resposta às necessidades emergenciais do setor, que após dois meses passa a fazer maior pressão por novas mudanças estruturais, com manifestações denunciando a falta de apoio a trabalhadores independentes e clamando a resolução de problemas antigos.

Para a gestão da crise, o Ministério lançou um site oficial e linhas telefônicas de atendimento tão logo as primeiras instituições tiveram de fechar as portas. Sob o slogan Não Paramos – Estamos ON, a plataforma comunica as medidas extraordinárias de apoio às artes, com mensagens em vídeo da Ministra a explicar as ações do governo.


Além de publicar medidas excepcionais para o uso de verbas já alocadas e a prestação de contas, no dia 27 de março de 2020 o Ministério lançou, através da Direção-Geral das Artes, a Linha de Apoio de Emergência ao Setor das Artes, financiada por meio do Fundo de Fomento Cultural do Ministério da Cultura. Com o valor de um milhão de euros, posteriormente acrescidos de 700 mil euros, a linha de apoio vai beneficiar 311 projetos, dentre os 1025 pedidos recebidos. Contudo, a burocracia das instituições impacta a efetividade e celeridade das respostas, e o setor mobilizado organiza-se desde o início da pandemia para fazer pressão sobre o Ministério, que voltou a publicar novas linhas de apoio que respondessem aos trabalhadores cujo perfil não havia sido contemplado em um primeiro momento.

Iniciativas da sociedade civil têm se mostrado essenciais para balizar as ações do governo e apresentam importantes resultados que em primeiro lugar servirão para fortalecer o setor. É o caso da pesquisa liderada por Manuel Gama, pesquisador do POLObs (Observatório de Políticas de Comunicação e Cultura da Universidade do Minho), que busca conhecer os impactos da COVID-19 no setor cultural português através de um amplo levantamento de dados junto aos profissionais.

 

Também a iniciativa Ação Cooperativista – Artistas, Técnicos e Produtores chamou ao debate diversas estruturas para articulação conjunta sobre as ações necessárias para enfrentar a crise causada pela pandemia, em um importante esforço de sistematização do tecido cultural e artístico português, procurando conhecer quem são os seus trabalhadores e quais as suas condições laborais e de sobrevivência no momento.

No dia 18 de maio, Portugal procedeu com a primeira fase do Plano de Desconfinamento, aprovado no dia 30 de abril e reavaliado a cada 15 dias. O plano especifica a reabertura de livrarias, bibliotecas e arquivos em um primeiro momento, seguido por museus, palácios, galerias e monumentos. A partir do 1º de junho foi autorizada a abertura de cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos com a lotação reduzida, marcação de lugares e distanciamento físico.

Em maio, o setor sai às ruas, com o movimento sob a hashtag #VIGILIACULTURAEARTES – E SE TIVÉSSEMOS FICADO SEM CULTURA?, que reúne cada vez mais profissionais da cultura e das artes em Portugal, colocando em marcha um verdadeiro movimento de união e reivindicação laboral. Após registrar protestos em vários pontos do país, e já antevendo um verão com um número drasticamente reduzido de festivais e outras atividades culturais, ao final de maio, a DgArtes anunciou a abertura de três programas de apoio a projetos artísticos com um montante financeiro global de 2,8 milhões de euros.

Ultrapassada a fase mais crítica da pandemia da COVID-19, o Governo de Portugal comunicou no dia 7 de junho o Programa de Estabilização Econômica e Social (PEES), com o objetivo de oferecer medidas de incentivo ao regresso gradual às atividades econômicas e normalização da vida social sem descuidar dos cuidados sanitários. Em vigor até o fim de 2020, o plano tem entre as ações destinadas à cultura a Programação Cultural em Rede (30 milhões de euros); a Linha de apoio à adaptação dos espaços às medidas decorrentes do COVID-19 (750 mil euros); a Linha de apoio a equipamentos culturais independentes (3 milhões de euros) e a Linha de apoio social aos artistas, autores, técnicos e outros profissionais das artes (34,3 milhões de euros).

Além disso, o programa cria o Grupo de Trabalho entre o Ministério da Cultura, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Ministério das Finanças, para o estudo das condições laborais e carreiras contributivas para artistas, autores e técnicos de espetáculos. O PEES também determina que será contratado um estudo ao Observatório Português das Atividades Culturais, para ampliar os dados qualitativos e quantitativos sobre o setor.


7 Vistos de residência para estrangeiros que estivessem dispostos a investir em Portugal ou que comprassem imóveis de um valor superior a 500 mil euros.
8 Instituto Nacional de Estatísticas de Portugal (INE).


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A Sintaxe de um sujeito composto
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