Facebook Instagram

Português | English

Slider
Slider

Fundada em 1990, no Rio de Janeiro, a Lia Rodrigues Companhia de Danças é um projeto feito a muitas mãos e encabeçado pela bailarina e coreógrafa, Lia Rodrigues. Com forte atuação e circulação internacional, a Companhia se mantém em atividade durante todo o ano, com aulas, ensaios de seu repertório e trabalho de pesquisa e criação, sempre em estreita colaboração com seus artistas-bailarinos, já tendo se apresentado e trabalhado por grande parte do território brasileiro e em mais de 20 países.

A Companhia mantém uma longeva parceria com a organização não governamental Redes de Desenvolvimento da Maré (Redes da Maré), atuando diretamente no Complexo de Favelas da Maré, ajuda a construir e a garantir a manutenção de local adequado para a prática da dança em diferentes projetos. A partir do encontro de Lia Rodrigues com Silvia Soter, coreógrafa e dramaturga, e Eliana Sousa Silva, Diretora da Redes da Maré, nasce o Centro de Artes da Maré (CAM), que requalifica um grande galpão industrial abandonado na comunidade da Nova Holanda. Concebido como um espaço de convivência e troca de saberes, o centro está estruturado em três eixos de atuação: a formação, a criação, e a produção e difusão das artes, com foco em dança. O CAM é hoje a sede da Lia Rodrigues Companhia de Dança e abriga, desde 2011, a Escola Livre de Dança da Maré (ELDM).

Com compromisso com a cidadania e o entendimento da prática artística como vetor de desenvolvimento individual e coletivo, a ELDM é dividida em dois núcleos, sendo um aberto a todos, de crianças a adultos e idosos interessados em seguir cursos gratuitos de diversos estilos de dança, com, em média, 350 alunos inscritos. O outro é o núcleo de formação continuada em dança, formado por grupos de jovens, pré-selecionados através de audições, que veem na dança um elemento central em suas trajetórias. Importantes projetos da Companhia como Fúria, Para que o Céu não Caia, Pindorama, Pororoca e Piracema, foram criados nesse espaço e depois circularam o mundo, participando dos principais festivais internacionais de dança e artes.

Slider

De repente fomos pegos de surpresa. Estávamos na Europa, junto com dez bailarinos, em uma grande turnê de celebração dos 30 anos da Companhia e, logo no início, em março, começou a fechar tudo por aqui. Além disso, estava trabalhando com duas artistas brasileiras em um outro projeto na França, e tinha uma série de projetos de ensino em universidades e escolas, que é uma atividade profissional que levo ao lado do meu trabalho na Companhia. Consegui colocar todos os bailarinos em um voo de volta para o Brasil e vim para Amsterdã, onde vive meu companheiro. Que belo ano para se completar 30 anos, não é?

Eu estava muito alegre, porque era a primeira vez na minha vida em que eu poderia respirar financeiramente e organizar as coisas. Tínhamos muito trabalho na Europa e no Brasil. Muitas apresentações e uma agenda que está fechada até 2022, com trabalho de criação e turnês. Ralo há muitos anos e estava amando poder ter esse conforto. Mas a vida é maravilhosa e de repente dá essas rasteiras. Aconteceu que muitas coisas foram anuladas, canceladas ou readaptadas – tudo ao mesmo tempo. 

Não imaginei, entretanto, que teria que ficar nisso durante dois meses. Estávamos no meio de tudo, e as coisas começaram a desmoronar. Estou agora fazendo um grande esforço para conseguir viabilizar um adiantamento financeiro dos futuros trabalhos da Companhia na Europa, junto aos parceiros de uma rede que construí e com quem trabalho há muitos anos, para que eu consiga sustentar o projeto no Rio de Janeiro. Tenho uma folha de 15 pagamentos por mês e nesse momento tenho que conseguir dinheiro para que esses profissionais possam continuar vivendo disso. Estou em uma grande batalha nesse meio de campo, buscando articular diferentes frentes e inventando jeitos.

Quando me perguntam como é que faço para estar de pé, eu respondo que nunca estou de pé. Estou sempre de cócoras. É o melhor jeito para se estar, porque você não cai. Qualquer coisa, tu deita no chão, dá um salto e sai correndo… Eu nunca estou de pé, então acho que o tombo nunca é tão grande. Busco estar pronta para agir. Sempre procurei ir para lugares que me desafiassem. Primeiramente, como pessoa e como cidadã. Eu sou uma mulher branca, cis-gênero e de classe média. Quer dizer muita coisa nascer assim em um país como o Brasil. A gente nunca pode se furtar do lugar onde a gente nasce e cresce, e das estruturas que estão dentro da gente e com as quais temos que lidar e buscar quebrar. Eu pude ser artista, pude fazer essa escolha. A questão é como eu posso minimamente compartilhar esses privilégios e também me confrontar com essa enorme desigualdade, o racismo e tudo aquilo que assola esse enorme país.

Slider

Não conto com nenhum financiamento do Brasil, o que tenho são esses parceiros europeus. Eu sou artista associada de dois teatros na França, em Paris, o Centquatre-Paris e o Théâtre National de Chaillot, o que quer dizer que faço projetos a longo prazo com essas instituições, definindo linhas de atuação. Na Europa, existe toda uma rede de subvenção e estruturas na cultura, além de uma base social acessível à maior parte da população. Isso não nos permite fazer uma comparação entre a situação de artistas no Brasil e em países como a França, a Espanha, Portugal e a Alemanha. A penúria do artista brasileiro é muito diferente do que se fala da do artista europeu, quando você não tem o seu pró-labore ou salário, que seja, você não tem nada.

É a partir dessas redes de apoiadores e coprodutores que estou conseguindo um adiantamento para poder manter a Companhia viva, no sentido de manter o salário das pessoas. Afinal, todos têm que pagar aluguel e têm gastos para poder sobreviver, inclusive eu mesma. É muito raro os artistas do Brasil ganharem mensalmente, como estamos podendo pagar, nesse momento, os bailarinos da Companhia, e trabalhamos todos como MEI (Microempreendedor Individual). Na dança, pouquíssimos profissionais têm contratos de trabalho. Sou eu mesma, com outra pessoa que trabalha há mais de 20 anos comigo, que organizo a parte financeira, buscando garantir continuidade ao projeto.

As instituições com as quais trabalho na Europa estão se adaptando à situação da pandemia o tempo inteiro. Todos buscam entender o que está acontecendo. Os projetos foram mais adiados do que cancelados. Temos então uma nova agenda, mas sem ter certeza de que poderá ser cumprida. Junto com a minha produtora vamos operando passo a passo. Tudo está muito instável, mas não tem outro jeito de trabalhar.

Além da agenda das turnês internacionais da Companhia, ainda tem a agenda do Brasil, com o Sesc, com a Bienal de Dança do Ceará e com as nossas apresentações na Maré, que não sabemos quando será possível fazer, pois estamos entrando em um momento pior da pandemia no Brasil. Mesmo que aqui na Europa as medidas se afrouxem, como já começa a acontecer agora em maio, a gente não sabe se nós brasileiros, por exemplo, vamos poder entrar no espaço Schengen da União Européia, justamente pela evolução da situação no Brasil. Não sabemos como vai ser essa relação.

O Serviço Social do Comércio tem por objetivo criar oportunidades para permitir o desenvolvimento humano através da cultura, educação, saúde, esporte, lazer e assistência. Parte daquilo que se denomina Sistema S no Brasil, atua através de mais de 580 unidades, e é hoje uma das principais instituições de estímulo à cultura no país, atuando como forte fomentadora das artes em todo o seu espectro.

Criado em 1942, durante a Era Vargas, o Sistema S é composto por uma série de instituições que representam um conjunto de organizações e entidades, servindo de apoio para os trabalhadores da indústria, para o varejo e o comércio. Tendo sido criado com o principal objetivo de capacitar a força de trabalho no Brasil, o sistema é mantido mediante a contribuição compulsória das empresas, com alíquotas variadas.

Os artistas, entretanto, já estavam todos à míngua. Tenho tantos colegas que estavam sem nenhum trabalho antes… Não mudou muito a situação. Essa é uma questão seríssima de políticas públicas para a cultura e para a arte. Os artistas sempre estiveram em emergência, principalmente no Rio de Janeiro, que vive um caos absoluto com todos os projetos parados, cancelados ou sofrendo calote a nível municipal e estadual. Os teatros estão caindo aos pedaços. Isso traz à tona a necessidade de pensarmos, como sociedade, a maneira como nos relacionamos com isso sempre, e não apenas em emergências.

A crise evidencia algo que faz parte da realidade brasileira e mundial. Antes não era bom, era muito problemático e complexo e as pessoas que estão agora sofrendo mais são as pessoas que sempre sofreram com a desigualdade. Eu acho que é muito importante falar que a situação nunca foi ideal. Para os moradores de favela no Brasil, a situação é ainda mais complexa. Existe a ação de milícias, a inoperância governamental e mesmo os ataques por parte do poder público aos moradores, como se eles não tivessem o mesmo valor do que os da Zona Sul do Rio de Janeiro. Acho que a sociedade civil é a que mais se organiza para socorrer aos seus semelhantes, em todos os sentidos.

Trabalho desde 2002 com a Silvia Soter, dramaturga, professora e crítica de dança. Foi ela quem me apresentou à ONG Redes da Maré, e à Eliana Sousa, Diretora da organização. Desde 2011 a Escola Livre de Dança da Maré funciona no Centro de Artes da Maré, e é lá a sede da Companhia. A Redes da Maré está organizando um movimento muito importante no sentido de alertar a população a seguir os protocolos de isolamento social e prevenção, que são muito difíceis de serem cumpridos em uma favela. Estão também fazendo uma ampla arrecadação e distribuição de cestas básicas, água e produtos de higiene. É a coisa mais maravilhosa ver o Centro de Artes da Maré ocupado por cestas básicas e mais de 100 pessoas trabalhando na logística. É um trabalho enorme, uma coisa incrível, que mostra também que as organizações não governamentais, que foram e continuam sendo tão atacadas por este governo boçal, estão organizadas para agir seriamente em momentos como esse. Elas têm uma estrutura muito forte e fazem a diferença. É algo a se prestar atenção e refletir.

Criada oficialmente em 2007, a Redes da Maré é uma instituição da sociedade civil atuando para a melhoria da qualidade de vida e garantia de direitos básicos da população dos 140 mil moradores das 16 comunidades do Complexo de Favelas da Maré. Atuando através de três eixos – Arte, cultura, memórias e identidades; Desenvolvimento territorial; Direito à segurança pública e acesso à justiça e Educação –, a organização tem como elemento central a estruturação de um projeto abrangente e processual para o exercício da cidadania.

Slider
Slider

Existem questões muito importantes que não podem ser abafadas pelo coronavírus. Um governador que celebrou a destruição da placa que homenageava a vereadora assassinada Marielle Franco não pode, de repente, virar um herói do combate ao vírus. Isso é grave e temos que estar muito alertas às pessoas que atuam na política e saber qual é o passado e presente delas.

Desde quando foi instituído o isolamento no Brasil e na favela da Maré, as atividades da Escola foram suspensas. Estamos trabalhando atualmente em um projeto emergencial com o Instituto Moreira Salles, para fazer com os alunos uma espécie de diário vivo de como eles e a comunidade estão vivendo a situação neste momento de pandemia. É muito importante que a gente os deixe mobilizados, e os professores estão trabalhando nisso.

Os alunos do grupo de formação continuada continuam recebendo suas bolsas, e estamos desenvolvendo alguns trabalhos mais teóricos com eles. Mas fazemos tudo isso com muito cuidado. É importante ter perspectiva e lembrar que as situações e possibilidades nesse momento são muito diferentes. A vida de cada um deles pode ser muito distinta, e muitos se encontram tendo que cuidar de seus pais e familiares em lugares muito pequenos, ou com um acesso à internet muito ruim. Buscamos entender toda essa dimensão e estamos trabalhando para que eles não se desconectem. Isso é muito importante para que possamos trabalhar juntos de outra forma. A nossa coordenação pedagógica está muito atenta a isso e estamos sempre em diálogo. Entretanto, a nossa escola também é presencial, e acho bom mantermos isso. Temos que aguardar e continuar o nosso caminho, porque isso não é substituível. 

Eu não sou muito boa com a tecnologia. Tudo que eu faço tem um trabalho físico e presencial muito importante. Estou acostumada a trabalhar com o olho no olho, vendo os corpos se moverem.

Com o trabalho da Companhia de Dança, também ficamos tentando imaginar um jeito de continuar. Ainda bem que existem jovens – que são cada vez mais jovens – que me ajudam muito a não ficar parada no tempo, eu aprendo demais. A minha proposta foi a de fazermos encontros em torno de temas que fossem importantes para nós estudarmos. Isso já está acontecendo, e por enquanto temos encontros duas vezes por semana. Também propus que cada aluno pegasse um ano da companhia para fazer um levantamento de tudo aquilo que foi produzido, como textos, imagens e registros. A gente ensaia tanto, dança, viaja e não costumamos ter o tempo para fazer isso. Surgiu também a ideia de que cada um escreva coisas sobre si próprio e sua experiência dentro da Companhia, o que é muito importante, porque as pessoas se formam lá dentro. Estamos descobrindo jeitos, mas para nós não existe essa coisa de fazer ensaios pela internet, aula de dança dentro de casa, não funciona. Existem milhões de jeitos e a gente está encontrando o nosso. Uso também a internet para resolver toda a minha vida e fazer os contatos e articulações necessárias. Na verdade, eu tenho podido participar muito mais de muitas reuniões que antes eu nem conseguia. Tenho muito mais encontros do que eu tinha antes, isso é bem legal. 

O Projeto Pixinguinha foi um evento cultural que teve por objetivo difundir a música popular brasileira em todo o país. Foi criado em 1977 pela Funarte em parceria com as Secretarias de Cultura Municipais e Estaduais do país.

A circulação é a base do trabalho de um artista. Temos que pensar em como criar essa rede de circulação mais uma vez, de possibilidades de viajar, do Norte vir para o Sul e o Sul ir para o Norte, e todo mundo se encontrar. Para nós é muito importante e eu desejo estar em contato com o maior número de pessoas, para poder levar as coisas que a gente pensa. O que sempre quis foi poder fazer isso no Brasil. Existiu antigamente o Projeto Pixinguinha, quando os músicos circulavam pelo país, e hoje existe o projeto do Palco Giratório, do Sesc Nacional. O Sesc de São Paulo, nesse sentido, tem um papel importantíssimo na circulação e sobrevivência dos artistas, chamamos até de “Santo Sesc”.

Na Europa é muito diferente, pois existem políticas públicas criadas já há muitos anos. Os profissionais reclamam, e com razão, mas existe uma política pública muito substanciosa em todos esses países que eu circulo. Mesmo que em determinado momento esteja mais fraca, essa base ainda está lá. Na França, principalmente, existe um circuito muito grande e em cada cidade, mesmo que pequenininha, existe um teatro e há público. Isso é muito bom para o artista, porque faz com que a gente circule com nosso trabalho e que possamos ganhar nossos cachês.

Importante também que as instituições apostem na criação artística, de maneira que existam aportes financeiros para que essa criação ocorra antes da circulação porque, afinal, a gente também come, paga escola e aluguel enquanto estamos criando, então é fundamental ter entendimento do que é necessário para permitir que ela aconteça. 

Slider

Minha atuação internacional não foi algo que previ, mas foi acontecendo. Foi uma construção de muitos anos e agora posso contar com parceiros que ajudam realmente. Não tenho esses parceiros no Brasil, a não ser o Sesc e alguns festivais, como o Festival de Dança de Curitiba e a Bienal de Dança do Ceará. Na Europa tenho muito mais reconhecimento prático e investimento no meu trabalho como artista. Isso faz com que o meu trabalho possa funcionar. As coisas estão muito ligadas, mas não sei se é uma saída para todo mundo. O dinheiro entra pela Companhia e sai pelo Centro de Artes e a Escola Livre de Dança da Maré. Os bailarinos da companhia por enquanto estão com os salários garantidos por causa dessas articulações. Na escola, a maioria dos meus alunos são arrimo de família. Nunca tivemos um patrocínio constante no Brasil, eu entrei em alguns editais, algumas vezes ganhei, outras não. Foram muito intermitentes os investimentos brasileiros na Companhia. 

Foi em 2011 que tive um encontro na França com o diretor da Fundação Hermès 1, que conheceu o meu trabalho em uma das turnês internacionais. Ele veio falar comigo e me disse que estavam entrando no Brasil com a marca e que gostariam de associá-la a um projeto social ligado à formação. Eu sentei junto com a Silvia Soter e escrevemos um projeto que foi bem recebido pela Fundação, que se tornou parceira da escola desde a sua fundação até hoje. 

A escola faz parte de uma história. Existe muita gente trabalhando para que ela possa existir. Para além de todos os cargos de direção e administração, para receber uma escola é preciso ter um espaço estruturado. Precisamos de gente que atenda o público, que limpe o espaço, que faça a manutenção, que são pessoas essenciais, sem as quais a existência da escola seria impossível. 


1 Fondation d’entreprise Hermès.


Antes de tudo, pensamos em uma formação para a cidadania. Trabalhamos junto com a Redes da Maré para que os jovens da comunidade possam ter acesso à universidade e para que possam ter uma formação mais ampla. Realmente acredito que não dá para ser artista sem ser cidadão. Tratamos questões de gênero, de raça e desigualdade. Cada vez a escola é diferente também. Não existe uma estrutura fechada com uma duração precisa. Ela vai indo. Acho que é o único jeito de a gente viver no mundo, surfando na adversidade. Quando vejo o funcionamento das estruturas na Europa, por exemplo, penso que isso só se aplica à essa bolha. O resto do mundo não é assim. A bagunça do mundo nem sempre responde a essas fórmulas.

Slider

Já tivemos experiências com um grupo de dez alunos que ficou de seis a sete anos conosco. Desses, quatro estão na Bélgica, quatro estão na minha Companhia, e todos entraram na Universidade Pública. Acho que o projeto da Escola Livre de Dança é um projeto que atingiu 100% as suas metas. Existiu sempre a necessidade de atuar na cidade. Que cidade é esta onde eu moro e como a arte contemporânea pode dialogar com um projeto social? Quando dirigia o Festival Panorama sempre me perguntava quem era o público que eu estava tocando e com quem estávamos dialogando. Pensava que, muitas vezes, a maioria eram pessoas que haviam lido os mesmos livros e tido as mesmas experiências artísticas, e a cidade do Rio de Janeiro é muito maior do que isso. Não é possível, entretanto, simplesmente chegar em uma comunidade, em uma favela, dizendo que você tem algo para dar e ensinar. Você vai lá para aprender muito.

Com sua primeira edição organizada em 1992, o Festival Panorama é um festival de dança realizado pela Associação Cultural Panorama, no Rio de Janeiro. Ao longo de 22 edições, apresentou companhias e artistas nacionais e internacionais, com papel fundamental na construção da memória da dança no Rio de Janeiro.

 

Existe toda uma concepção e formação para se construir uma escola. Eu tenho 64 anos e danço profissionalmente desde os 17 anos. Há todo um arco e experiência de uma pedagogia muito livre. Eu estudei História na USP, em 1974, em plena Ditadura Militar e isso tem um peso muito grande na minha formação. Foi um período muito difícil. Tivemos recentemente a experiência nefasta de ter uma atriz de última categoria falando sobre esse momento terrível da história brasileira. Nem parece que ela viveu como todos nós as agruras da ditadura. O que o governo está fazendo em todos os setores é inominável. Não dá para separar o setor artístico dos outros. O Brasil está na mão de assassinos neste momento e isso se reflete em todos os setores, inclusive no artístico.

Mas estou trabalhando com a possibilidade de retomada das coisas, de apenas ir vendo o que vai acontecendo e ir me transformando e inventando. Não prevejo o futuro e não consigo imaginar um outro jeito de trabalhar. Se for necessário, eu provavelmente vou fazer e vou me reinventar. Não acredito em uma ideia romântica de que vamos mudar depois desta crise. Não acho nada disso. O sistema vai ser o mesmo, o capitalismo galopante e a desigualdade extrema.

A transformação que é necessária não vai ser feita e toda a questão de se pensar uma ecologia não vai rolar. A gente vai surfando na crise. Existem jeitos maravilhosos e diversos de se atuar no mundo, de fazer arte e fazer o Brasil continuar de alguma forma. Aprendemos isso com a capacidade de resistência dos povos indígenas e da população negra, principalmente da mulher negra. Temos que estar atentos a isso, mas não existe nenhum modelo. Estou olhando as coisas para aprender. Vamos ouvir o que o Ailton Krenak tem a falar, o que Davi Kopenawa tem a dizer. Vamos ouvir as mulheres negras que carregaram sempre o Brasil nas costas e o fazem ainda. Todas essas questões vão estar muito fortes e presentes e a gente não pode baixar a guarda. É uma luta que, pelo menos para minha geração, vai ser para sempre.

A Sintaxe de um sujeito composto
Geração 80
Lia Rodrigues Companhia de Danças
Centro Cultural do Mindelo
Literatas
Hangar
previous arrow
next arrow
Slider